Empreste recursos ao teu irmão pobre, mesmo que ela não possa te pagar
É importante lembrar que essas leis só eram necessárias pois o homem pecou e com isso o que era muito bom, a criação original e o próprio homem, tornaram-se miseráveis. O pecado, quando adentra ao mundo, corrompe todas as áreas da criação, trazendo assim miséria profunda à humanidade. As consequências da queda são cósmicas, não é possível para nós calcularmos o tremendo mal gerado pelo pecado. Desta forma, a pobreza é algo que o homem terá que lidar durante toda a sua história nesta terra, o versículo 11 diz “pois nunca deixará de haver pobres na terra”. Ou seja, a lei de Deus é boa e é o melhor que se pode viver, todavia, ainda assim haverá pobreza e miséria na terra. Esta lei não servia como uma resolução completa do pecado, mas sim como uma tipificação do Messias que viria e que seria capaz de erradicar completamente a pobreza material e espiritual do mundo na consumação do seu plano de redenção.
Nenhuma pobreza é boa, toda miséria é ruim
O que isso tem a ver comigo hoje?
O povo de Israel do antigo testamento representava a igreja do novo testamento, e por analogia, pode-se concluir, a partir do texto acima, que Deus espera que na igreja cristã não haja pobreza. A lei do antigo testamento era um elemento da aliança da graça, que tinha por seu objetivo mais elevado apontar para o Cristo que viria e traria a única solução completa para o pecado de Adão (confissão de fé de Westminster capítulo 7). Cristo veio e morreu na cruz, pagou o preço do pecado dos seus eleitos e tornou-se o segundo Adão, o homem perfeito, em quem há perdão e salvação (1Cor 15: 45-47). Por isso, podemos olhar para a lei descrita em Deuteronômio através de Cristo, e aplicar os princípios deste texto em nossos dias. Ou seja, chegou Aquele que é maior que a lei, que pode trazer a solução definitiva para a pobreza. Isso não anula a lei, mas a ratifica, a fim de que a igreja a pratique com mais afinco e piedade. Logo se o princípio do texto é: “ajam com generosidade, mitigando a pobreza, cada um segundo as suas próprias posses”, eis aí o que devemos fazer, sermos generosos (1Tim 6:18), benignos (Ef 4:32), não gananciosos (1 Pe 5:2), não apegados à riqueza (1Tim 6:10).
“Ajam com generosidade, mitigando a pobreza, cada um segundo as suas próprias posses”
Pode-se ver isso em vários textos do novo testamento, como no capítulo 11 de Atos em que o profeta Ágabo dava a entender pelo Espírito que viria grande fome sobre o mundo, o que veio a acontecer nos dias de Cláudio. Neste momento Paulo e Barnabé foram enviados à Judéia para levar socorros aos irmãos que lá moravam. Em Gálatas 2:10 Paulo diz “recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também me esforcei por fazer”. No capítulo 8 da segunda carta aos Coríntios, Paulo cita o bom testemunho dos crentes da Macedônia que fizeram uma coleta para os irmãos pobres de Jerusalém. Fica mais que evidente o compromisso que cada cristão deve ter com seu irmão mais pobre, provendo-lhe o necessário, sem que “haja pensamento vil em seu coração”.
E com a pobreza para além da igreja, como devemos lidar?
Comecemos por Provérbios 31: 8-9:
Abre a boca a favor do mudo pelo direito de todos os que se acham desamparados. Abre a boca, julga retamente e faze justiça aos pobres e aos necessitados.
O livro de Provérbios é um compêndio de princípios de sabedoria, que ordenam a forma de viver e apresentam um justo caminhar. Não pode-se interpretar este texto da mesma forma que a lei de Deuteronômio. Mas, ao mesmo tempo, não deixa de ser palavra inspirada de Deus e verdade eterna para a igreja. Estes dois versículos estão inseridos no contexto imediato das palavras ao rei Lemuel. A ideia básica da perícope de Provérbios 31.1-9 é “como ser um rei virtuoso”. É muito relevante, e propício para nosso tema, que algumas das características de um rei virtuoso sejam “cuidar do direito do desamparado e fazer justiça aos pobres e necessitados”. Se a Bíblia espera que um rei faça isso, será que esse princípio não se aplica também ao cristão comum? Façamos a prova real em Lucas 3.11:
“Respondeu-lhes: quem tiver duas túnicas, reparta com quem não tem, e quem tiver comida, faça o mesmo”.
João Batista pregava acerca do batismo de arrependimento, e quando questionado a respeito do que deveriam fazer, ou seja, quais as evidências de alguém que se arrependeu, João apresenta a virtude da generosidade, da partilha, da doação piedosa. Esse é um princípio fundamental para este tema “todo cristão deve ser virtuosamente generoso, um piedoso doador aquilo que tem”.
“Todo cristão deve ser virtuosamente generoso, um piedoso doador aquilo que tem”.
Concluo que a ação de mitigação da pobreza no mundo para pessoas que não estão na igreja também é uma prática legítima. Devemos olhar ao nosso redor e sermos cuidadosos com aqueles que verdadeiramente precisam de ajuda, com os mais necessitados, oferecendo recursos básicos para a fome e para o frio, mas também oportunidades de uma mudança radical da sua realidade. Toda boa doação é feita com sabedoria e prudência, visando mais a satisfação da alma do que alívio do corpo. Porém não podemos incorrer no erro da solução completa da pobreza e da miséria, isso não acontecerá aqui, somente Cristo, na consumação da sua redenção trará à sua igreja satisfação completa e perfeita no reino vindouro.
Toda boa doação é feita com sabedoria e prudência, visando mais a satisfação da alma do que alívio do corpo
Deve haver alguma relação entre o cristianismo e a pobreza?
Sim, devemos lutar para que não haja pobreza alguma na família da fé, e sermos generosos doadores com qualquer próximo que estiver necessitado, tendo como crivo a sabedoria e a prudência.
Se há, qual a profundidade desta relação?
Quanto a família na fé, o quão profundamente necessário for. Quanto aos necessitados desta terra, oferecendo auxílio no frio, comida na fome e possibilitando verdadeiros caminhos de mudança.
Em que medida o cristianismo deve intervir na pobreza?
Na medida da obediência a Cristo, sabendo que não podemos resolver completamente a pobreza nesta terra.